Parte III - O reencontro da Família.

Quando acordava  para o meu serviço noturno já o sol se escondera por de trás das montanhas e quando terminava a viagem ainda o sol dormia. Com a entrada do Outono os dias começaram a encolher a olhos vistos, nascendo o sol perto das oito da manhã e recolhendo perto das quatro da tarde. Os dias continuaram a encolher até à chegada do solstício de Inverno, a vinte e um de Dezembro, altura em que o sol só aparece por cerca de quatro horas e meia, contrapondo com as cerca de vinte horas e meia no solstício de Verão, a vinte de Junho. 

Pronto para mais uma noitada!

Viver parte do dia sem luz solar foi inicialmente estranho, mas como o Homem é um animal de hábitos, com o passar do tempo fui-me habituando a esta nova realidade! Para tornar a minha nova realidade ainda mais estranha, as escassas horas de sol eram aquelas que estavam destinadas ao meu descanso. A falta da luz solar também tem influência no estado de humor…


Nos primeiros tempos o meu esforço de adaptação ao meu novo trabalho preenchia-me o pensamento, mas com o passar do tempo e a mecanização de certos procedimentos comecei a lidar com a saudade com mais frequência. A minha mente ia ficando mais disponível e livre sendo por vezes inesperadamente preenchida por um vazio imenso!...  Quando a saudade se vai apoderando do pensamento o coração bate por aqueles que Amamos e estão longe, surge então uma sensação de vazio que se apodera dos espaços normalmente preenchidos pela alegria e a efémera sensação de felicidade, ficando uma tristeza opaca a pairar no pensamento, retirando parte do brilho os dias…

uma das tantas vídeo chamadas…

Os dias cada vez mais pequenos e a saudade a crescer… A temperatura a descer e a saudade a crescer… Mais um mês a terminar e a saudade sempre a aumentar!... 

Eu junto do meu primeiro quarto.

A minha experiência no serviço internacional de transportes já me ensinara a lidar com a saudade, mas normalmente à escala de semanas. Desta vez foi à escala de meses… Para tentar colmatar e amainar a situação, fazia frequentes vídeo chamadas, umas vezes do meu camião, outras do meu quarto. Momentos repletos de alegria e cor com muitas gargalhadas e sorrisos à mistura. Por vezes ficava por tempo indefinido a fazer palhaçadas à minha pequena Princesa com conversas que só nós entendíamos. Outras vezes abordava assuntos mais sérios e práticos com a minha Mulher! Mas quando desligava a sensação de vazio voltava, por vezes a atingir níveis ainda mais profundos e vincados, cada vez mais difíceis de sustentar…

A saudade…

Na minha mente pairavam recordações soltas: o sorriso dos meus Filhos; o som das inconfundíveis gargalhadas infantis durante as nossas brincadeiras coletivas; o aroma do cabelo da minha Mulher durante os seus quentes e reconfortantes abraços; os carinhosos beijinhos da minha Flor; a alegria do meu Gui sempre que íamos até ao parque… Momentos que me acompanhavam colorindo os meus sombrios dias iniciais. Todas essas recordações e sensações cabem dentro desta palavra tão portuguesa, a saudade!


O tempo… A distância… A saudade!...


Levado a voar nas asa do tempo, por vezes recordava uns versos de minha autoria e escritos em França à uns anos atrás. São umas linhas que transportam luz e fazem acender o sol que existe dentro de mim, ajudando a iluminar e clarear os meus pensamentos, algo que me fazia falta naqueles dias escuros.
Escrevi-as inspirado na minha Família e aqui as recordo:


FAMÍLIA. ♥️


Mas que delícia
Encontrei a minha Mulher!
Não é uma qualquer.
que doce Patrícia.


Eu sentia frio,
Procurava algum calor.
Tinha o coração vazio
Ela encheu-o de Amor.

Lembro com clareza
Como tudo aconteceu.
 AMOR… uma beleza
Não mais me esqueceu.

Ficámos enamorados
Com vontade de sorrir.
Os corações entrelaçados,
E a emoção a subir...

Do meu passado
Trazia um filho.
Resultado de um fado
Que perdeu o brilho.

Passado uns tempos
Tivemos uma conversa:
Juntar os trapos,
E ter uma criança.

O tempo passou...
O esperado aconteceu!
Ela engravidou.
O Guilherme nasceu.

É o nosso cristal.
Frágil mas feliz.
Um menino especial,
Mas que belo petiz.

Uma família linda,
Uma mulher amada.
Mas falta ainda,
A filha desejada.

Algum tempo passado
E nasceu a Flor!
Fiquei encantado
Com emoção e AMOR!...

Já somos cinco.
Sinto vaidade!
Com eles brinco
Neles vejo a FELICIDADE!...

João Ferreira
Besanço, França
25-06-2017


Com o andar do calendário e a aproximação do Natal, a distância começava a ganhar um peso cada vez maior. Considero o Natal como uma importante festa de carácter familiar, onde normalmente até os que vivem a quilómetros de distancia tentam viajar para próximos dos seus familiares.
A hipótese de ter que passar o Natal longe da minha Família estava em aberto e tornava os dias mais pesados… No entanto ainda tinha tempo para continuar com o meu plano e executá-lo a tempo do Natal. Já tinha poupado o suficiente para pagar as passagens de toda a Família e para alugar uma casa. Mas esse facto ainda não estava realizado.

Pior que não conseguir é não tentar!


O fator tempo estava contra mim de formas diferentes…
O tempo e a sensação da sua passagem é de tal forma relativa que pode parecer que está a passar simultaneamente lenta e rapidamente, dependendo do ponto de vista, no entanto uma hora será sempre uma hora!... Para matar a saudade que dia a dia crescia, o tempo passava lentamente, e o reencontro tardava! Por outro lado, para executar a segunda parte do plano previamente estabelecido, sentia que precisava de mais tempo para garantir que encontrava a casa certa e sentia os dias a sucederem-se a grande velocidade… Não podia ser uma casa qualquer arranjada à pressa, e não tardava muito até entrar Dezembro…
A ditatorial e implacável passagem do tempo foi sem dúvida um dos obstáculos iniciais.

A primeira parte do plano traçado por mim em conjunto com a minha Mulher estava consolidada e posso dizer que apesar das dificuldades correu bem!
Estava na altura de passar à segunda fase e comecei a intensificar a procura de uma casa para alugar. Tomei conhecimento de um site norueguês destinado a vendas e aluguer de coisas variadas, o  www.finn.no, e claro também lá havia uma enorme quantidade de casa disponíveis, tanto para venda como para aluguer. Foi só ajustar o motor de busca às características da casa pretendida e começar a fazer marcações. Um trabalho de equipa, onde a minha Mulher muito ajudou, tendo feito exaustivas buscas na net, que posteriormente me enviava para eu selecionar por zonas. Depois eu verificava no terreno as verdadeiras condições e localização. Inicialmente tudo me estava a parecer demasiado fácil, mas nem sempre aquilo que aparenta ser fácil o é realmente…

Devo também agradecer a importante ajuda dada por amigos novos que entretanto fiz. Amigos que tornando possível a minha deslocação a algumas das casa que fui visitando durante todo este processo de busca.

(Curiosa frase, cheia de significado, que estava escrita numa parede da casa que alugámos, facto que vi como um sinal positivo. Verdade seja dita, chova ou não, e mesmo sem esperar o fim das tempestades, eu e a minha Mulher vamos dançando… Já aprendemos a fazê-lo à muitos anos atrás, e vamos continuar a fazer pelo futuro!)

Não foi fácil encontrar a casa, mas com alguma insistência e persistência conseguimos encontrar uma casa acolhedora, confortável e com as características pretendidas.
Uma casa equipada com um bom sistema de aquecimento central, que nestas zonas é de importância maior. O sistema de aquecimento da agua para banhos e do aquecimento era alimentado de forma independente, com os seus gastos já incluídos de forma fixa no contracto de arrendamento. Também já tinha os eletrodomésticos essenciais incluídos como: frigorífico, maquinas de lavar roupa e loiça, forno e placa elétrica.
Uma casa muito bem localizada num agradável bairro de Tiller, tendo todos os requisitos inicialmente pretendidos: a cinco minutos a pé de locais de comércio de produtos essenciais; um parque infantil à porta de casa; transportes públicos de qualidade nas proximidades; a vinte minutos a pé do meu local de trabalho e com um local de estacionamento para o carro que haveria de comprar! Tudo excelente!

Quando sabemos aquilo que queremos é muito mais fácil ultrapassar as dificuldades seguindo a luz das decisões inicialmente tomadas que de forma seletiva ilumina as nossas escolhas.

A entrada da nossa primeira casa.

Com o contracto da casa assinado e as chaves na mão, rapidamente comprei as passagens para toda a Família. Depois mobilei a casa com as mobílias mínimas e essenciais, como camas, mesa e cadeiras, sofá, etc... Equipei também a cozinha com algumas panelas, frigideiras, loiças, etc... Por fim, próximo do dia do reencontro comprei também algumas flores e umas velas para dar alguma cor na altura do reencontro, deixando os pormenores finais ao cuidado da minha Mulher.

A partir do dia em que comprei as viagens dei inicio a uma contagem decrescente. Os dias ganharam outro brilho! O facto de ter um dia e uma hora marcada para o reencontro dava-me uma energia renovada e uma alegria difícil de esconder. O vazio e as incertezas que me assaltavam durante os dias anteriores eram agora substituídos por uma impaciência e uma ansiedade difíceis de controlar. Tal como numa longa maratona, durante a corrida, a resistência é o grande trunfo para fugir aos pensamentos relacionados com a desistência, mas quando se entra na reta final parece que parte do cansaço ficou na ultima curva, recebendo uma energia e motivação extra por saber que o fim da corrida está à vista. Neste caso não era o fim, mas sim a conclusão de mais uma fase.



Entretanto, como o tempo não pára, mais umas semanas a rolar a caminho de Oslo e entramos no frio mês de Dezembro. Uns dias depois veio o esperado dia do reencontro, o dia do tão esperado abraço a quatro. O reencontro é sempre carregado de magia, mas neste caso não correu tal e qual como eu queria e tinha planeado… muitas vezes a vida apresenta-nos surpresas e estraga-nos os planos! Por motivos relacionados com a minha profissão que eu não controlo, não consegui chegar ao aeroporto antes do avião aterrar, quebrando parte da magia do reencontro. Mas um reencontro é sempre um reencontro, e ao ver a minha Mulher com os meus Filhos fiquei sem palavras, só me ria… queria abraçar a minha Filha mas, cansada da viagem, tinha adormecido… Dormia tranquilamente e linda como sempre. O meu Gui andava muito contente, com os seus olhos a brilhar de curiosidade a explorar o aeroporto. A minha Mulher, apesar de visivelmente feliz, também apresentava alguns sinais de cansaço. Depois de uns breves momentos abraçados seguimos diretamente para a nossa nova casa, que eu previamente tinha decorado com algumas flores e umas velas em forma de coração…

 porta da nossa primeira casa.

Depois de uma reconfortante refeição e de agradáveis momentos em Família, dei conta que a minha Mulher matou uma importante parte da saudade mas na realidade a saudade vai-nos acompanhar sempre… A saudade de quem ficou… A saudade dos lugares que foram os nossos lugares durante anos… A saudade do nosso maravilhoso clima… A saudade do país que nos viu nascer… A saudade de Portugal… A saudade da gastronomia saboreada numa tasca… A saudade… A saudade… Aquela palavra tão portuguesa… A saudade… a fiel companheira de quem parte… Aquele sentimento que, por vezes sem aviso prévio, nos vem sussurrar ao ouvido coisas sobre aquilo que sentimos falta e nos chega a deixa os olhos rasos de água…

Independentemente de partir ou de ficar, a saudade está sempre presente.




João Ferreira
22/03/2020
Tiller - Noruega

Comentários

  1. Tão bonito... Até agora, foi o tempo mais longo que estivemos separados...foi muito difícil... Mas o reencontro... Embora não tenha sido o sonhado durante estes meses, como descreveste... Foi arrebatador... Como só o Amor sabe sê-lo ❤️Amo-te todos os dias mais... ��

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